4.3.02

É de fato uma situação um tanto curiosa. Porque eu estava me fundamentando justamente em passagens como as que vc acabou de citar, e vc agora vêm com elas tentando refutar ostensivamente o que eu disse. O q será q deu errado? É claro q quando eu listava as propostas do cluetrain, eu não estava me limitando ao que havia sido dito diretamente, mas também estava fazendo uma extrapolação, uma exploração das conseqüências e possibilidas das quais eu acho muito improvável que os autores do cluetrain estejam cientes.

Quanto ao que disse sobre as intranets, temo que não fui muito claro. O que aconteceu foi o seguinte: lá pra segunda ou terceira vez q eu li o cluetrain (nas primeiras, não despertou nenhum interesse. Pareceu shallow d+), eu resolvi dar uma chance para a mailing list deles e tal. Poucos dias depois, alguém mandou uma mensagem reclamando da intranet da empresa deles que não estava funcionando como o cluetrain descrevia, onde não estava acontecendo a tal conversação em uma nova e poderosa maneira, e perguntava o que ele deveria fazer a respeito. A primeira vista, eu pensei que aquele email fosse ser ignorado ou receberia 2 ou 3 respostas mal-humoradas, já que estava completamente fora do espírito do manifesto (as intranets deveriam ser construídas "bottom-up" by "engaged individuals"). Ao invés disso, começou uma longa e tediosa discussão sobre como fazer a intranet funcionar, e o espírito que imperava ali não era "idiosyncratically subjective but engagé" (alias, "idiosyncratically subjective" é horrivelmente gorduroso, quando se pode simplesmente dizer "idiosyncratic but engagé"), mas cheirava muito mais a uma farsa à la Sociedade do Espetáculo : uma simulação de comunicação, de individualidade e de diálogo em que as pessoas não eram autênticas mas representavam o papel que as corporações esperavam delas ("a inversão concreta da vida que é o movimento autônomo dos não-vivos"). Em certo ponto alguém se levantou falando da "natureza humana", e o post, ao invés de realmente levantar essa questão, apenas comentava que era possível que as empresas evitassem buscar esse diálogo pq se sentiriam ameaçadas e assustadas com o tom agressivo do manifesto (tem coisa mais anti-cluetrain? e ninguém reparou). Poucos dias depois eu abandonei a lista completamente desiludido com o Cluetrain. Só pouco tempo atrás q eu comecei a achar uma ou outra coisa mais razoável vinda dessas bandas, e desde então venho disposto a aceitar que existam boas intenções e verdade no movimento, e não mera espetacularização do diálogo.

Outro ponto em que parece que meu e-mail anterior foi incompreendido foi quanto à "carga simbólica". Ora, o que eu estou dizendo com carga simbólica não é algo que os marqueteiros poderiam criar sentados em uma sala de reunião pensando em como convencer as pessoas a comprarem seus produtos; na verdade, a escolha de palavras foi infeliz. Por carga simbólica eu queria dizer significado, como os mitos ou a sociedade tribal têm significados: as palavras-chave são envolvimento, imanência, pertinência, autencidade , e não estranhamento, artifício, alteridade e publicidade .. Eu não estava me referindo a vc ir no mcdonalds por causa do mcdia feliz e não sei quantos milhões que, alardeiam, são arrecadados, ou de uma campanha de marketing tentando te convencer que coca-cola é melhor que pepsi; eu estou falando em vc ir no bar da esquina, onde vc conhece os garçons e os freqüentadores há anos, conversa, brinca e confia neles - e, de repente, vc tem a sensação de estar em casa, de estar envolvido com aquele ambiente, dele significar alguma coisa (subjetivamente) na sua vida, dele ser *vc* (ou parte do que vc chama de *nós*) e não um Outro inanimado indiferente ou hostil as suas expectativas. Em outras palavras, enquanto o Mcdonalds continua sendo uma lanchonete, é claro que o bar do exemplo não é mais só um bar, mas algo rico em importância simbólica para o sujeito. Era essa "carga simbólica" (melhor: "significado") que eu estava atribuindo ao Cluetrain, e não o simbolismo sem significado que o Estrav estava farejando em mim, e é esse "significado" que eu estava relacionando ao animismo e ao primitivo. ;)

O que eu venho dizendo é que essa desmantelação do corporativo não é algo tão simples assim.

Antes de mais nada, porque o mercado não está necessariamente interessado nesse envolvimento (pense pós-911: as pessoas estão construindo seus coletivos mais guiadas pela neurose do que por identificação). Há três premissas no cluetrain que me incomodam: a primeira, que está sub-entendida, de que as pessoas como um todo buscam este envolvimento, o que dificilmente é verdade; a segunda, que a paranóia (eu preferiria usar a palavra neurose, que abrange outros casos) impede a comunicação - o que é verdade quando se está pensando em algo como "verdadeira comunicação", mas que ignora o fato que ocorre de fato comunicação e discurso guiadas pelo medo e pelo alheiamento; e, finalmente, que será uma revolução inelutável e quase sem resistência, já que o mercado será tão mais sabido que as corporações que elas nem farão idéia do que está ocorrendo.

Outra objeção é a de que corporações são coletivos como qualquer outro. Os coletivos se formam, no cluetrain, para envolvimento e comunicação; mas muitos coletivos também nascem de motivos muito menos nobres (pense Baudrillard; pense "Amizade" de Kafka, no qual os cinco amigos parecem só estar unidos para excluir o sexto de seu grupo; pense países e exércitos, classes sociais, sindicatos e grupos étnicos), e uma vez formados, os coletivos definem as pessoas tanto quanto as pessoas definem o coletivo, e passam a competir entre si como formas de vida sencientes (pense memetics). O coletivo empresarial, onde há pouco envolvimento, também participa desse jogo: e quando ele se subjetiviza (ou subjetifica?) às custas das pessoas que o compõem, elas passam a ser objetificadas ("objectify". alguém ache uma tradução.). As pessoas não encontram mais motivos para pertencer àquele coletivo, passam a encará-lo com alheiamento e alteridade, mas não lhes é facultado sair; são assim alienados dele (no sentido original: tornados estrangeiros a eles), e dessa forma, de si mesmos (repetindo: os coletivos definem as pessoas tanto quanto as pessoas definem os coletivos). Tanto o cluetrain quanto a ética hacker, que, com seu papo do lúdico, busca resgatar o envolvimento e o significado no trabalho, sentem essa alienação e tentam resolvê-la. A questão é que o corporativismo não é um evento isolado, mas algo que vêm de uma evolução profundamente arraigada na tal da "natureza humana", e que tem um papel fundamental no jogo de poder - e é impossível descartá-lo sem afetar as estruturas desse poder. A falência do ideal hippie de liberdade e free love no século passado evidencia bem esse lado negro que o cluetrain, e grande parte do pensamento americano, insiste, através de uma paranóia (lembra? aquela que impedia a comunicação), em varrer para debaixo do tapete. Nós não estamos na era do envolvimento e liberdade; nós estamos na era da alteridade radical e da mais radical das formas de comunicação - o terrorismo, desde crianças promovendo massacres em escolas até o 911, de crackers até o "terrorismo poético" de hakim bey.

Em resumo: se todas as pessoas de repente imaginassem que as corporações não existem, elas deixariam de existir. Mas as pessoas nunca pensarão isso. Talvez uma ou outra.

Eu não consigo concordar com a afirmação que a internet mostra esse engajamento e envolvimento. Desculpe, mas não posso. Eu já recebi três vezes o e-mail de ficção científica sobre a origem dos hambúrgeres do mcdonalds, e não há convicção que resista àquilo. As massas não estão ficando mais espertas e se comunicando pela internet: elas estão apenas passando adiante hoaxes sem qualquer fundamento mas que "confirmam" suas crenças anteriores (o que demonstra que a comunicação é muitas vezes mais um jogo de poder), trocam textos vazios, realizam as mesmas conversas sufocantes que tem no mundo corporativo, e se.... hmmm. "transubjectify" em surfistas e modelos de cabelos loiros e olhos azuis, enquanto brincam de sexo virtual. Claro, há discussões riquíssimas ocorrendo online: mas elas estão sendo promovidas por e entre pessoas que já engajavam na tal comunicação antes de se logar online, e, se vc não estiver deliberadamente procurando por uma, nunca vai encontrar. (e mesmo que esteja, não garante nada) Um exemplo que eu vou pegar emprestado de um artigozinho da Sandy Stone ("what the vampires know: transsubjection and transgender in the cyberspace". tem na textz.org) é o da CommuniTree, o primeiro bbs que permitia "social interaction", lá em 1978. Originalmente, era absolutamente livre, sem possibilidade real de remover mensagens, com admins praticamente sem poder nenhum e permitindo o post de control characters; Communitree foi a utopia da livre comunicação e discussão online por muito tempo, quando só a habitavam hippies-hackers. Aí o governo americano colocou modems nas escolas secundárias e, nas palavras de um membro da Communitree, "the barbarian hordes mowed us down". Este é só o primeiro de uma série infindável de eventos parecidos no mundo online. As pessoas não estão ficando mais espertas; é preciso fazer mais que conectar um imbecil em um fórum filosófico para fazer dele um filósofo. Foi essa crença no poder totêmico da rede e da comunicação que eu chamei de "fetichização do ato de comunicar". Fulano manda uma mensagem para sicrano, e sicrano responde. Fulano pode estar tanto perguntando a sicrano o q ele acha da relação entre marxismo e ética hacker quanto perguntando o que ele está vestindo. Não quer dizer nada.

(há muito mais para se falar nesse assunto. Mas aí ia ficar longo demais)

Finalmente, outro equívoco que eu queria esclarecer é que eu não considero o Cluetrain mera retórica: eu apenas o considero um modelo que, ao se isolar em uma questão altamente especializada, esqueceu do mundo ao seu redor e por isso se tornou insuficiente e ingênuo.

hugz,

Adz.





Adrian, Estraviz...



>hmmm... um esclarecimento aqui...

>eu não disse que o cluetrain era pró-corporativista, no sentido que ele oriente as empresas no conflito

>organizações-público (embora eu ache aquelas discussões sobre como fazer a intranet da empresa dar

>certo e coisas do tipo um tanto suspeitas),



Adrian... seja sincero: vc leu o Manifesto Cluetrain? Existem referências às intranets, mas não é o foco, e nem pretende ensinar ao leitor como se faz intranet. Algumas passagens:



...employees are getting hyperlinked even as markets are. Companies need to listen carefully to both. Mostly, they need to get out of the way so intranetworked employees can converse directly with internetworked markets.



... In both internetworked markets and among intranetworked employees, people are speaking to each other in a powerful new way.



... Such conversations are taking place today on corporate intranets. But only when the conditions are right.



... Companies typically install intranets top-down to distribute HR policies and other corporate information that workers are doing their best to ignore.



... Intranets naturally tend to route around boredom. The best are built bottom-up by engaged individuals cooperating to construct something far more valuable: an intranetworked corporate conversation.



... A healthy intranet organizes workers in many meanings of the word. Its effect is more radical than the agenda of any union.



... While this scares companies witless, they also depend heavily on open intranets to generate and share critical knowledge. They need to resist the urge to "improve" or control these networked conversations.



... When corporate intranets are not constrained by fear and legalistic rules, the type of conversation they encourage sounds remarkably like the conversation of the networked marketplace.



... As policy, these notions are poisonous. As tools, they are broken. Command and control are met with hostility by intranetworked knowledge workers and generate distrust in internetworked markets.



>mas que ele fica justamente na questão organizações-vs-público e não sai para tomar um ar e ver

>todas as outras coisas que estão acontecendo ;).



Muito pelo contrário: a questão é a voz



>Sim, a conversação envolve que produtos são melhores e quais não são e isso *poderia* (eu não tenho >tanta certeza assim) tornar os consumidores mais espertos que as instituições.



Bem, se vc cair na mesmice comercial sim. Mas esta análise é tua. O Cluetrain vai além das experências comerciais. É uma forma de dizer que o balanço do poder entre os mercados e as empresas está mudando.

O Cluetrain é claro. As pessoas não estão interessadas na tua empresa. Empresas não conversam. As pessoas, sim.



>o Estrav tocou num ponto importante: a troca simbólica na qual os homens se tornam objetos e as >instituições, sujeitos. (eu odeio esta palavra, mas não tem outro jeito: é alienação mesmo.) Ora, o >cluetrain parece afirmar que com a conversação, os homens re-adqüiririam sua subjetividade, que está >claramente espelhada em totens como a "voz humana" que são repetidos por todo o cluetrain >manifesto, e que exigiriam que as instituições, também, abandonassem seu mundo objetivo e desenvolvessem carga simbólica, "fizessem parte da comunidade" e "falassem vozes humanas": em outras palavras, ela sugere um "retorno" ao mundo animista de mitologias e subjetividade pura: um mundo não de afastamento mas de envolvimento imediato, de pertinência e não de exclusão.



Empresas não tem capacidade de falar. São coisas... não gente. A voz humana simula um retorno da humanidade a um periodo pré comunicação de massa. Alavancados por uma tecnologia que tem capacidade de unir as pessoas.



Mcluhan falou nisso, Lévy flerta com essa idéia em muitos pontos, e os bons e ininteligíveis pós-modernos me dão a impressão também de estarem nessa linha, gente como Deleuze e Lyotard (precisariamos de alguém entendido no assunto para tirar essa dúvida).



Mc Luhan não fala nisso. Mc Luhan fala da comunicação de massa ao seu extremo. Enzensberger faz uma crítica mais contundente a sociedade de massa. Assim como Brecht na "Radiotheorie".



"Radiotheorie



A radiodifusão há de ser transformada de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. A radiodifusão poderia ser o mais fantástico meio de comunicação imaginável na vida pública, um imenso sistema de canalização. Quer dizer: isto se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber; em outras palavras, se conseguisse que o ouvinte não se limitasse a escutar, mas também falasse, não ficasse isolado, mas relacionado... Irrealizáveis na presente ordem social, porém realizáveis em outras, essas propostas, que são simplesmente a conseqüência natural do desenvolvimento técnico, constituem um instrumento para a propagação e formação dessa outra ordem social. (Bertolt Brecht, Radiotheorie (1932), Gessamelte Werke, VIII, p. 129-130, 134. . ) "



Pierre Lévy traça um caminho parecido com o de David Weinberger. Embora o Lévy, no Conexão Planetária tem uma posição muito mais corporativista do que o Manifesto Cluetrain. Levy faz um elogio ao homo economicus, e diz que as pessoas se tornam empresas. (Conexao planetária pg 68)



>Ora, até que ponto as pessoas estariam dispostas a resgatar esta voz humana (são os mercados, e >não as empresas, que a estariam descobrindo)?



... estamos fazendo isso na internet. Listas, blogs, sites e emails estão catalisando a conversação.

A revolução digital não será notícia do Jornal Nacional. É silenciosa... e muitos nem percebem



>A subjetificação (?) dos homens questionaria a noção

>de indivíduo, questionaria a "qualidade de vida" (que é uma tentativa de transformar a felicidade em >algo mensurável em elementos externos e, portanto, objetiva), a noção de que o razoável em um >tradeoff é sempre pensar no limite (quando há envolvimento subjetivo, a dança ritual e emocional em >que se torna a vida passa longe dessa noção), e assim por diante: são temas que surgiriam >inevitavelmente no mundo Cluetrain, conforme a "conversação" fosse avançando.



O início do Manifesto Cluetrain responde a tua dúvida entre subjetividade (sic) e qualidade de vida.



We die.

You will never hear those words spoken in a television ad. Yet this central fact of human existence colors our world and how we perceive ourselves within it.

"Life is too short," we say, and it is. Too short for office politics, for busywork and pointless paper chases, for jumping through hoops and covering our asses, for trying to please, to not offend, for constantly struggling to achieve some ever-receding definition of success. Too short as well for worrying whether we bought the right suit, the right breakfast cereal, the right laptop computer, the right brand of underarm deodorant.

Life is too short because we die. Alone with ourselves, we sometimes stop to wonder what's important, really. Our kids, our friends, our lovers, our losses?

Internet Apocalypso - Christopher Locke



>E o que seria do binômio mercado-empresas então?



Para as corporações tradicionais, conversações em rede podem parecer confusas, podem soar confusas. Mas nós estamos nos organizando mais rápido que eles. Nós temos ferramentas melhores, novas idéias, nada de regras para nos fazer mais lentos.



Ou, os mercados são pessoas. E as empresas que se cuidem. Não estamos preocupados com elas.



>Observem que eu falei "exigiriam" e não "exigem", ou "exigirão"; "surgiriam" e não "surgem" ou >"surgirão". Pq tem muito mais coisa envolvida nisso. Eu não acho, por exemplo, que o tema da >sexualidade seja irrelevante ao cluetrain: pq, como o hernani disse, as conversações vão espelhar as >pessoas, com todas as suas neuroses e fetiches. E há uma grande parcela de discurso sexual no >envolvimento do homem com o mundo, e dada uma nova consciência de mundo (uma nova >"verdade"?), isso também ia se refletir na economia e no envolvimento das pessoas com as instituições.



O Cluetrain tem uma proposta de transformar o mundo dos negócios. Não dá para abarcar toda a nova realidade. Concordo contigo que existe uma nova verdade (sic), um novo sitema correndo paralelamente ao velho. Mas vejo essa tua preocupação de trazer o debate sobre sexualidade um pouco sem sentido. Pois a cultura hacker (onde baseio a minha teoria) trás no seu background os movimentos libertários que aconteceram no século passado. O movimento hippie influencia toda essa nova cultura. E o debate sobre sexualidade está contemplado num plano maior. A vida não é apenas negócios...



>Num texto que o Estrav linkou esses dias no cybermonge, por exemplo, o autor sugere que homens >com conflitos edípicos mal-resolvidos tendem a ter sua anima expressando-se "muitas vezes, de >maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e suscetível. No entanto, se ele for capaz de dominar >essas investidas de cunho negativo, elas poderão, ao contrário, servir para fortalecer-lhe a >masculinidade" - e onde entra essa anima? "Também é ela que, quando o espírito lógico do homem se >mostra incapaz de discernir os fatos escondidos em seu inconsciente, ajuda-o a identificá-los. Também >sintoniza a mente masculina com os seus valores positivos, abrindo caminho para uma penetração >interior mais profunda. Por isso, tem um papel de guia, ou de mediador com o mundo interior." Percebe >a ligação com o que eu disse anteriormente? Nada pode ser desprezado >)



Nada pode ser desprezado. Mas é irrelevante num estudo mais amplo cair nuuma análise subjetiva do individuo. Pois ao mesmo tempo existem pessoas com problemas edipicos, outras sem problemas, outras sofrem de um super ego rigido, outras de um empobrecimento do ego... sei lá quantas neuroses podemos encontrar.



Mas indo um pouco além do Manifesto Cluetrain (que do meu ponto de vista tua análise é apenas retórica). O inconsciente está espelhado na rede. Este inconsciente que era distante passa a ser tangível (ou relativamente tangível). A relação do ser humano com o inconsciente passa a ser mais próxima, com a possibilidade de aprendemos a nos relacionar com os outros. Através de textos, imagens e sons. Da palavra. Um pouco do que o indivíduo pode transformar da sua existência mental em digital. O ego que na sociedade industrial vinha se empobrecendo, consegue evoluir e se enriquecer. Este enriquecimento do ego pode eclodir outras neuroses. Mas isso é um outro estudo.



abs





hdhd



hmmm... um esclarecimento aqui...
eu não disse que o cluetrain era pró-corporativista, no sentido que ele oriente as empresas no conflito organizações-público (embora eu ache aquelas discussões sobre como fazer a intranet da empresa dar certo e coisas do tipo um tanto suspeitas), mas que ele fica justamente na questão organizações-vs-público e não sai para tomar um ar e ver todas as outras coisas que estão acontecendo ;).

Sim, a conversação envolve que produtos são melhores e quais não são e isso *poderia* (eu não tenho tanta certeza assim) tornar os consumidores mais espertos que as instituições. Mas, ao mesmo tempo, o Estrav tocou num ponto importante: a troca simbólica na qual os homens se tornam objetos e as instituições, sujeitos. (eu odeio esta palavra, mas não tem outro jeito: é alienação mesmo.) Ora, o cluetrain parece afirmar que com a conversação, os homens re-adqüiririam sua subjetividade, que está claramente espelhada em totens como a "voz humana" que são repetidos por todo o cluetrain manifesto, e que exigiriam que as instituições, também, abandonassem seu mundo objetivo e desenvolvessem carga simbólica, "fizessem parte da comunidade" e "falassem vozes humanas": em outras palavras, ela sugere um "retorno" ao mundo animista de mitologias e subjetividade pura: um mundo não de afastamento mas de envolvimento imediato, de pertinência e não de exclusão. Mcluhan falou nisso, Lévy flerta com essa idéia em muitos pontos, e os bons e ininteligíveis pós-modernos me dão a impressão também de estarem nessa linha, gente como Deleuze e Lyotard (precisariamos de alguém entendido no assunto para tirar essa dúvida). Ora, até que ponto as pessoas estariam dispostas a resgatar esta voz humana (são os mercados, e não as empresas, que a estariam descobrindo)? A subjetificação (?) dos homens questionaria a noção de indivíduo, questionaria a "qualidade de vida" (que é uma tentativa de transformar a felicidade em algo mensurável em elementos externos e, portanto, objetiva), a noção de que o razoável em um tradeoff é sempre pensar no limite (quando há envolvimento subjetivo, a dança ritual e emocional em que se torna a vida passa longe dessa noção), e assim por diante: são temas que surgiriam inevitavelmente no mundo Cluetrain, conforme a "conversação" fosse avançando. E o que seria do binômio mercado-empresas então?


Observem que eu falei "exigiriam" e não "exigem", ou "exigirão"; "surgiriam" e não "surgem" ou "surgirão". Pq tem muito mais coisa envolvida nisso. Eu não acho, por exemplo, que o tema da sexualidade seja irrelevante ao cluetrain: pq, como o hernani disse, as conversações vão espelhar as pessoas, com todas as suas neuroses e fetiches. E há uma grande parcela de discurso sexual no envolvimento do homem com o mundo, e dada uma nova consciência de mundo (uma nova "verdade"?), isso também ia se refletir na economia e no envolvimento das pessoas com as instituições. Num texto que o Estrav linkou esses dias no cybermonge, por exemplo, o autor sugere que homens com conflitos edípicos mal-resolvidos tendem a ter sua anima expressando-se "muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e suscetível. No entanto, se ele for capaz de dominar essas investidas de cunho negativo, elas poderão, ao contrário, servir para fortalecer-lhe a masculinidade" - e onde entra essa anima? "Também é ela que, quando o espírito lógico do homem se mostra incapaz de discernir os fatos escondidos em seu inconsciente, ajuda-o a identificá-los. Também sintoniza a mente masculina com os seus valores positivos, abrindo caminho para uma penetração interior mais profunda. Por isso, tem um papel de guia, ou de mediador com o mundo interior." Percebe a ligação com o que eu disse anteriormente? Nada pode ser desprezado >)

hugz,

Adz

ps: vamos postar essa correspondência em algum lugar na .net para todo mundo poder ler? Nada mais cyber, nada mais cluetrain >)